Uma premissa fundamental no treino desportivo ou comportamental reside na aquisição de hábitos. Sempre que treinamos algo, o nosso corpo vai adquirindo um “saber”, (saber do corpo ou saber corporal), adquirindo por essa via um hábito determinado.
Hábitos como sejam andar e correr, agarrar, lançar, rematar, tocar instrumentos, usar raquetes, bengalas, etc.
Na aquisição desses hábitos, adquirimos capacidades, (habilidades, competências), sejam elas quais forem.
E aqui reside a primeira grande dificuldade dos treinadores!
Quanto possível, importa que o treinador não permita a aquisição de “maus hábitos”.
Ou seja, é fundamental que o treinador saiba que, tanto automatizamos e tornamos inconscientes os bons, como os maus hábitos.
O que torna extremamente exigente para o treinador o enquadramento do seu trabalho! Tem de evitar a todo o custo que o “saber do corpo”, a incorporação continuada daqueles que treina, não seja a dos maus hábitos, mas sim a dos bons hábitos, daqueles que afinal pretende que sejam adquiridos.
Exemplo, se esperamos pelos atrasados no início de uma sessão, “punimos” quem cumpriu e chegou a horas!
Logo, “habituamos” quem treina a “chegar atrasado”!
Reparem noutro exemplo!
Se me habituo a enfrentar todo o tipo de adversidade e obstáculos, reajo automaticamente pela positiva sempre que deparar com qualquer tipo de dificuldade! Mas o contrário também é verdade!
Lembrem -se ainda da minha história pessoal de jovem jogador de basquetebol e do lançamento de gancho que eu era especialista.
Só era capaz de lançar gancho, caso não enfrentasse nenhum constrangimento para além de eu, a bola e o cesto! Perante qualquer constrangimento tipo oposição dos adversários, ou movimentações dos meus companheiros de equipa, “bloqueava”!
Erro grave do ensino e da aprendizagem de que fora alvo! Tinha aprendido e treinado a realizar o lançamento de gancho sem qualquer oposição! Logo, fora do contexto e das circunstâncias da situação real de jogo onde “a oposição é um factor de progresso”!
Temos hoje como consensual a nível científico, neurocientifico e filosófico a importância atribuída ao conceito de incorporar, entendido como a modulação gradual e continuada da nossa estrutura neuronal. Aprendemos qualquer competência ou habilidade, incorporando
tudo aquilo que vamos experimentando de um ponto de vista motor e sensorial. Modelamos assim de forma integrada e complementar a nossa estrutura neuronal.
Acrescentando-se ainda que a perceção de tudo o que nos rodeia é intermodal, complementando-se assim tudo que é físico, mental, emocional, social e espiritual. Como também as experiências que vamos realizando são globais e extremamente complexas.
Mais concretamente, o nosso corpo através das suas capacidades e habilidades motoras, quando se movimenta ou adopta determinadas posturas, não só informa, como modula a nossa cognição. No fundo o corpo modula a mente.
Tal como aliás tão claramente nos elucida o livro “How the body shapes the mind” (Como o corpo modula a Mente”) do Shaun Gallagher. Leitura obrigatória!
Ou seja, o nosso movimento corporal e respetivo sistema motor, influenciam profundamente o rendimento cognitivo.
Aqui chegados percebe-se facilmente o significado do que me diziam os meus mestres quando afirmavam “joga-se como se treina”.
Claro!
Se “jogas mal”, foi porque “treinaste mal”!
Sendo o contrário igualmente verdade!
“Joga-se como se treina, o que implica treinar como se joga”!
Questão fundamental, pois se o jogo é diversificado, complexo, envolvente de um ponto de vista emocional, exigente de um ponto de vista social, sempre desafiante de um ponto de vista espiritual, solicitando superação constante a nível físico e mental, então o treino terá de conter igualmente todas essas solicitações e estímulos!
E o treinador, desportivo ou comportamental, pensando mais na evolução daqueles que treina, que na comodidade de “dar treinos” previamente programados, tem de ser capaz de se confrontar diariamente com situações de treino tão ou mais exigentes e diversificadas que as “situações de jogo”.
Exemplo? Recentemente, num treino comportamental que acompanhei, a decorrer numa sexta feira à tarde, o enquadramento daquele grupo de participantes “exigia” que o treinador fosse capaz de se confrontar com um grupo de participantes onde “dominavam” desistentes, melhor dizendo onde imperava a vontade de ir para o fim de semana… Mas aconteceu o que se impunha!
Por total entrega do treinador que liderava a sessão e sua correspondente flexibilidade e adaptação a uma realidade extremamente negativa, acompanhei uma sessão de treino comportamental onde foi possível dizer o seguinte no feedback final:
- impressionante como perante tantos sinais de desistência e desinteresse, foi possível terminar com este resultado positivo e este envolvimento e compromisso emocional com objetivos comuns!
- Importa salientar quanto foi determinante a presença de uma capitã de equipa exemplar, capaz de mobilizar um grupo que inicialmente parecia desmobilizado, para um final tão entusiasmante!
Perguntarão alguns, mas qual foi afinal o “segredo”?
Tudo assentou em, por um lado o treinador conseguir “dar a equipa e a cada um dos participantes aquilo que precisavam em cada momento” e, pelo outro, a existência de uma capitã de equipa, que soube ser o exemplo de entusiasmo e entrega envolvente ao compromisso de todos com os objetivos comuns.
Conclusão?
A atitude faz a diferença!
Principalmente quando essa atitude não é só a do Treinador, mas também a de alguns membros da equipa.