O Treinador trata todos por igual

O TREINADOR TRATA TODOS POR IGUAL?

De Jorge Araújo

Ex treinador profissional de basquetebol

 

O tema de hoje tem merecido imenso debate. Deve o treinador tratar todos por igual?

Pertence ao treinador tratar todos com justiça, mas nunca todos por igual. E a razão é simples. Como tratar todos por igual, se uns se empenham e servem a equipa, são cumpridores das regras coletivas e se preocupam com os companheiros e outros não? Tem que haver uma distinção e um reconhecimento daqueles que mais o merecem, comparativamente aos que procuram sistematicamente sobrepor os seus interesses individuais aos coletivos.

Autoridade reconhecida mais que imposta.

Disciplina assumida por parte dos jogadores, apelar à sua participação e responsabilização. Envolver os jogadores com os objetivos coletivos, compatibilizar com o interesse coletivo as naturais ambições e expectativas individuais de cada um.

Incentivar a criatividade, lutar contra o medo de errar.

Cumpre ao treinador incentivar a criatividade dos jogadores, dar-lhes espaço para errarem e refletirem sobre os erros que cometem. Melhorar as suas competências por via de um aprender a fazer, fazendo. Nunca esquecendo que ser criativo não pode representar perda de eficácia, ou desrespeito pelos princípios e regras que devem nortear a vida coletiva das equipas. Criatividade é acima de tudo ser capaz de inovar, mantendo a eficácia necessária para que hajam resultados e o rendimento esperado.

Liderar jogadores, para que trabalhem em equipa, constitui um outro desafio de enorme complexidade e exigência.

Todo o ser humano tem como objetivo principal a sua afirmação individual e só depois, (se o mobilizarem nesse sentido!), será capaz de se concentrar nos interesses coletivos. O que ilustra como é difícil tentar aperfeiçoar inter ações pessoais e técnicas entre indivíduos cujos objetivos particulares estão muitas vezes longe de serem compatíveis.

“Que ganho eu com isso?”, perguntavam-me os jogadores. Questão central! Precisava convencê-los que através da equipa e do respetivo sucesso coletivo, cada um deles teria algo de significativo a ganhar. Tinha de conseguir fazê-los interiorizar que, contribuindo individualmente para que o todo fosse maior que a soma das partes, retirariam daí o retorno positivo que almejavam. Como consegui-lo? Potenciando a mobilização das vontades individuais ao serviço do coletivo. Se nunca os abandona a motivação respetiva, na defesa dos interesses individuais, então teria de ser capaz de conseguir que, atingindo a equipa os seus objetivos, cada um dos jogadores ganhasse com isso algo de significativo. Se cada jogador era tão sensível ao facto de ter de ganhar algo sempre que se entregasse ao coletivo, cumpria-me ser capaz de me ajustar às diferenças que revelavam, ver a minha autoridade reconhecida mais que imposta e possuir em cada momento da vida das equipas que dirigia, uma visão clara do que pretendia alcançar a nível individual e coletivo. Tinha forçosamente de me adaptar e conseguir potenciar os constantes fluxos e refluxos motivacionais provocados pelos egoísmos dos jogadores, na busca de uma fundamental coesão de processos e de uma necessária relação social e identificação coletiva. Uma sincronização dos movimentos coletivos e individuais e uma clara definição e coordenação de tarefas de cada jogador. Profundos laços sociais e afetivos, potenciando uma cooperação e entre ajuda sem reservas de qualquer espécie.

Um alinhamento claro de todos os jogadores ao serviço dos objetivos coletivos a atingir e fortes sentimentos de orgulho de pertença à equipa. Todos os jogadores que conheci (naturalmente uns mais que outros!) debatiam-se entre, afirmarem-se individualmente e o prazer de fazerem parte de uma equipa com a qual se sentissem envolvidos. O que, em complemento do que já ficou dito para trás, permite concluir que reside nesta aparente contradição um dos mais apaixonantes aspetos de tudo o que diz respeito a ser treinador.

Por um lado, temos de assumir o humano egoísmo dos jogadores, pelo outro, pugnamos pela construção de um coletivo que os complemente e dê espaço quanto baste para, através dele, se afirmarem individualmente.

Entre os jogadores que comigo trabalharam, os que fizeram a diferença para melhor, foram aqueles que precisamente sabiam utilizar a equipa e os seus resultados como uma oportunidade de afirmação e desenvolvimento pessoal.

As competências comportamentais desses jogadores e a forma como se relacionavam com os restantes, foram atributos que os distinguiram no modo como contribuíam para a equipa sem nunca se deixarem diluir totalmente no interesse coletivo.

Eram maduros, seguros, confiantes, preocupados com os outros, sempre capazes de estabelecerem laços de confiança com todos os que os rodeavam.

Geriam bem as suas emoções sob pressão, contribuíam pela positiva para o desenvolver de dinâmicas na equipa ao serviço do aumento da respetiva eficácia. Tinham uma constante atitude positiva e influenciavam a equipa de modo marcante.

E sabem o que de mais interessante pude descobrir nesses jogadores? Todos tinham recebido influências positivas profundas através da respetiva educação familiar e escolar, o treino a que os treinadores os haviam sujeito enquanto jovens, a motivação e a liderança de que foram alvo em diferentes circunstâncias das suas vidas.

Por sua vez, em termos coletivos, onde registei diferenças no que respeita às equipas com que alcancei sucesso?

As diferentes personalidades nelas existentes, complementavam-se e completavam-se. Nelas existiam afinidades que lhes potenciavam as ações em comum, funcionando quase sempre numa simbiose perfeita entre estarem focados nas tarefas e nos objectivos comuns a alcançar e, em simultâneo, estabelecerem fortes laços de inter-relação social. Demonstravam índices de coesão acima da média e davam respostas diversificadas às naturais dificuldades impostas pelo confronto com a realidade.

Formar e preparar equipas vencedoras, foi naturalmente um dos meus objetivos ao longo dos anos. E para o conseguir, fui percebendo a partir de uma certa altura que me eram exigidas capacidades extremamente exigentes.

Uma visão clara do Modelo de jogo, equipa, jogador e preparação que deveria perseguir. Saber para onde ir e quais os objetivos a atingir. Mobilizar vontades e complementar objetivos individuais e coletivos. Congregar os jogadores por via de uma reconhecida competência técnica e comportamental. Saber ser e saber estar.

Sem abdicar de ser claro e firme na explanação dos princípios norteadores do funcionamento das equipas com que trabalhava, os jogadores deveriam ser capazes de se apropriarem responsavelmente desses princípios e assumir criativamente as suas respostas para cada uma das situações complexas com que deparassem.

Ser treinador exigiu-me uma mudança profunda do meu comportamento. Quem joga são os jogadores e não o treinador, razão porque tive de assumir como objetivo principal que os jogadores fossem autónomos e capazes de se autodisciplinarem, auto motivarem e auto prepararem!

O verdadeiro “segredo” do sucesso que perseguia, necessitava como suporte de um espaço de saber e de intervenção que me diferenciasse dos jogadores e dos dirigentes. E foi isso que a partir de certa altura persegui com afinco.

Tal como aprendi com os anos que não há qualquer aparente contradição entre a necessidade que o treinador tem de legitimar e valorizar a sua função e, a perceção gradual que vai adquirindo ao longo do tempo, que o rendimento da sua equipa, num certo sentido, melhora quanto mais os jogadores menos dele precisem! A minha afirmação pessoal e profissional, passaram obrigatoriamente pela afirmação pessoal e profissional dos que comigo colaboraram e, o facto de cada um dos membros do coletivo de trabalho se revelarem mais adultos, responsáveis e com capacidade de decisão, nunca pôs em causa a minha liderança, bem pelo contrário!

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