O Treinador (Líder) e as suas emoções

O TREINADOR (LÍDER) E AS SUAS EMOÇÕES

Jorge Araújo

Presidente da Team Work Consultores

 

Os treinadores (os líderes) precisam saber conviver com as suas emoções e experiências e redirecioná-las ao serviço de uma evidente melhoria da sua capacidade de influenciar e persuadir aqueles com quem trabalham. Também devem ser capazes de preservar a sua resiliência, colocando constantemente em causa crenças adquiridas que lhes provocam por vezes emoções negativas. E, principalmente, lutar do modo mais persistente possível para que os velhos hábitos sejam substituídos por novos e, enquanto treinadores (líderes), conseguirem antecipar e corrigir eventuais reações emocionais que prejudiquem o interesse coletivo, assumindo que as emoções e os sentimentos constituem algo com que convivem a cada momento das suas vidas e a que devem atribuir a importância devida.

Se a verdade é o todo, como queria Hegel, a verdade do treino é a experiência da complexidade humana. Por isso não há um treino paradigmático que não tenha em conta o contexto, o global, o multidimensional, o complexo. [1]

Sendo obviamente verdade que as emoções por vezes, escapam ao nosso controlo e nos conduzem a reações inesperadas, só convivendo com elas seremos capazes de potenciar com a maior eficácia possível as emoções dos outros, tal como mobilizar a nossa capacidade de motivação e superação e a de todos aqueles com quem nos relacionamos.

Os comportamentos humanos não têm assim significado em si mesmos e só se compreendem quando referenciados à realidade experimentada, através de um corpo que aprende e treina a sua motricidade por tentativas e erros persistentes, numa continuada incorporação automática das respostas motoras necessárias.

Aliás a lógica da motricidade humana é a opção da transcendência, a passagem numa ascese da vontade humana do determinismo à liberdade. E assim a consciência da incompletude não é sinal de deficiência, mas condição indispensável de desenvolvimento humano. [2]

Um corpo que na sua dupla transcendência, por um lado é corpo sujeito e, pelo outro, revela a intencionalidade com a qual envolve o tempo e o espaço e coexiste e interage com os outros corpos e tudo aquilo que o rodeia. Fenómenos como o das primeiras impressões ou o de muitas vezes realizarmos tarefas de modo inconsciente, comprovam também a importância que assume no treino comportamental o nosso esquema corporal e a nossa capacidade para habitarmos o mundo e a ele nos habituarmos.

O mesmo no que respeita à consonância corporal evidenciada entre dois seres humanos ao revelarem no decurso de uma conversa uma sintonia corporal automática e inconsciente. Também o efeito emocionalmente negativo que nos provocam determinados gestos, tons de voz ou expressões faciais, tal como as inúmeras vezes que percebemos as intenções daqueles que nos rodeiam, simplesmente através da observação das suas atitudes e comportamentos.

Este contágio emocional e o modo viral como as emoções se propagam, tal como o fato de estarmos estamos sempre a comunicar, mesmo quando não falamos, ilustram a incorporação imediata que realizamos perante as manifestações emocionais dos que nos rodeiam.

Não basta saber fazer e saber dizer é preciso também saber viver. [3]

Como seres humanos, somos autênticos espelhos, através de uma continuada empatia percetual, como se nos apropriássemos das emoções dos outros e as incorporássemos, colocando-nos virtualmente no lugar deles e transportando para o nosso esquema corporal aquilo que os outros sentem.

Uma verdadeira fenomenologia existencial e correspondente coexistência, onde os nossos membros e órgãos formam um sistema e agem de forma complementar e como um todo, através de um esquema corporal enquanto unidade sensorial e motora que nos ajuda a tomar consciência global da nossa postura corporal perante cada tarefa a desenvolver e a expressarmo-nos através do nosso corpo no mundo.

Veja-se, por exemplo, como numa modalidade desportiva, o espaço do terreno de jogo ensina os jogadores a melhorar através da respetiva movimentação espacial. Ou num jogo livre, (na rua), como jovens ou adultos se confrontam com o conhecimento puro das relações espaciais e se entrelaçam numa relação plástica, constantemente dialética, em que as circunstâncias e contextos criados ensinam o que fazer e a situação real correspondente ao jogo, constitui um meio poderoso de aprendizagem e treino.

E tudo isto a exigir à ação do treinador (líder) uma enorme capacidade de estabelecer uma relação positiva com aqueles com quem trabalha. Criando contextos/estruturas potenciadoras de relações positivas e treinando hábitos numa constante fenomenologia do corpo, do espaço e da sua relação com os outros. Como também numa relação mútua em que o treinador (líder) e aqueles que prepara desenvolvem relações interpessoais positivas e partilham constantemente e de modo sintonizado as suas emoções e experiências.

Tenho-o defendido ao longo de anos e insisto, Tudo se Treina! [4]

E só treinando e aprendendo a fazer, fazendo, seremos capazes de subverter as tradicionais alternativas entre psíquico e orgânico em que até ao momento os treinadores assentaram a sua forma de pensar e intervir. Somos, afinal, todos motivados ou motiváveis, precisando simplesmente que nos convençam que são nossos os desafios com que nos confrontamos.

Relacionamo-nos com tudo o que nos rodeia não de um modo cego, mas numa interação constante entre o nosso corpo como um todo e o meio ambiente em que nos inserimos. Ao fazermos parte de um determinado contexto social, familiar ou profissional, estaremos sempre e em simultâneo, a influenciar e sob a respetiva influência, somando experiências. Quando, por fim, temos determinadas atitudes e comportamentos, fazemo-lo sempre em função daquilo com que deparamos, (uma determinada situação) e através do corpo todo (do ser global), comportando-nos como um ser indivisível, totalmente presente em cada momento e cujos sentidos se complementam e interagem.

O treino será tanto mais pedagógico quanto mais se transformar num espaço aberto ao diálogo e à reflexão crítica, entre os vários elementos que compõem a mesma equipa. Assim o treino deverá comprometer-se com a criação de estruturas mentais e uma fenomenologia da imaginação (Bachelard), que permitam uma rutura com o reducionismo antropológico racionalista e com todos os sistemas, onde a voz do treinador, ou o querer do dirigente, despontem sempre como indiscutíveis, indubitáveis, a-dialéticos[5].

O que reforça o que defendemos ao ter afirmado que, na verdadeira dimensão da nossa inteligência e intuição social, não só necessitamos saber conviver com as nossas emoções e sentimentos, como também ser capazes de potenciar com a maior eficácia possível as emoções dos outros.

[1] Sérgio, M., Alguns Olhares sobre o Corpo, 61

[2] Sérgio, M., Alguns Olhares sobre o Corpo, 35

[3] Sérgio, M., Alguns Olhares sobre o Corpo, 47

[4] Araújo, J., Tudo se Treina, (Lisboa, Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2014)

[5] Sérgio, M., Alguns Olhares sobre o Corpo, 65

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