O desafio dos treinadores

O DESAFIO DOS TREINADORES

Jorge Araújo

Presidente da Team Work Consultores

 

Citação da tese de doutoramento de Jorge Araújo, MOTRICIDADE E CORPO EXPRESSIVO, páginas 38, 39, 40

Mas qual é (afinal!) o grande desafio com que se deparam os treinadores e, nomeadamente, os treinadores comportamentais? Generalizou-se a ideia de que o fundamental seria o facto de serem capazes de alcançar os melhores resultados possíveis e cumprir todos os objetivos propostos para um determinado contexto temporal.

Mas será efetivamente só isso?

Sabemos que a figura do treinador pode ser, só por si, importante. A sua reputação, os seus sucessos, a afirmação social, desportiva ou empresarial já alcançada, permitem-lhe, ao falar às equipas, aos jogadores ou aos quadros da empresa, uma repercussão mobilizadora da respetiva motivação. Afinal, nada de novo: a figura do outro a quem procuramos para nos aconselhar (para nos confessar, para nos “curar”, etc.), oferece exemplos claros do que fica dito, tão antigos como a própria cultura humana.

E existe a palavra também. E o sentido do que se transmite, que não deve procurar apenas influenciar e persuadir, mas tocar emocionalmente e transformar. No fundo, tal como o dizemos no contexto do treino, mobilizar a motivação e, principalmente, a capacidade de superação[1] pode fazer-se de múltiplas formas e por diversos meios. O que, obviamente, não é fácil de assumir, pois obriga a reconhecer na prática do treinador uma insegurança incómoda e fundamental: algo sempre escapará a qualquer fórmula de treino comportamental. Não há receita mágica que possa, à partida, resumir ou controlar um fenómeno assim indefinido e volátil – um fenómeno assim humano, enfim, como é o comportamento individual em contexto profissional.

Em termos gerais, todos gostamos de cooperar, de fazer parte, de sentir orgulho de pertença; mas igualmente de competir. Por essa razão, estamos sempre a compararmo-nos com aqueles que nos rodeiam e interpretamos as suas atitudes e comportamentos com base nas crenças e valores que adquirimos até esse momento.

Numa realidade social complexa, imprevisível e com contextos e circunstâncias permanentemente diversificados, sentimo-nos obrigados a enfrentar situações que muitas vezes nos conduzem a insucessos inesperados. Na constante tentativa para sermos flexíveis e capazes das adaptações necessárias, precisamos de apoio, acompanhamento, retorno, palavra e diálogo. O que nos permite identificar estar aqui, precisamente, o centro da intervenção do treinador comportamental (coaching): antecipar causas de insucesso, criar algo comportamental novo e diferente, que possa constituir um contributo para a comunidade de que os treinandos fazem parte. Treinar o espírito de exploração e inovação, o risco do diferente, a capacidade de sair de zonas de conforto: tudo pode ser importante para esse desiderato[2]. Também pode ajudar a criação de uma maior sensibilidade para com as emoções individuais e a respetiva aceitação e integração nas dinâmicas coletivas das equipas e das organizações. Conseguir conviver com as suas emoções tal como potenciar as emoções dos outros, colocando‑se no seu lugar, sem egoísmos e resistindo aos apelos constantes da sua zona de conforto.

Pode ainda sustentar-se que determinadas reações individuais negativas, (ansiedade, frustração, inveja, desconforto, etc.), afetem o ambiente de trabalho, a coesão e o desempenho profissional. E tal justifica a defesa de que as organizações, desportivas ou empresariais, devem permanecer em cuidados intensivos relativos às relações saudáveis, ao foco e à concentração nas tarefas, ao controlo da ansiedade e à empatia individual e coletiva, à disponibilidade para se superar e à capacidade de trabalho em equipa que reconheça o todo como maior do que a soma das partes[3].

Mas, tal como já ficou bem expresso, por vezes as emoções escapam ao controlo e conduzem a reações inesperadas; e só convivendo com elas se torna possível potenciar com a maior eficácia possível as emoções dos outros; tal como mobilizar a sua capacidade de motivação e superação e a de todos aqueles com quem se relacionam[4]. Ora, está hoje suficientemente bem esclarecido científica e filosoficamente que tudo isto que se referiu se pode treinar[5].

 

[1] Loehr, J. & Schwartz, The Power of Full Engagement, (New York: Free Press, 2003). Com uma aproximação científica bastante fundamentada, os autores deste livro defendem que o nosso empenho ao serviço de objetivos comuns depende acima de tudo de uma correta gestão das nossas energias positivas.
[2] D. Pink, A nova Inteligência: Treinar o lado direito do cérebro (Lisboa: Academia do Livro, 2009). O sucesso pessoal e profissional futuro pertencem a um novo perfil de pessoas: os designers, os inventores, os criativos, contadores de histórias. Ou seja, pessoas imaginativas, intuitivas, capazes de gerar empatia e emoções. “Aprendendo a fazer, fazendo e treinando como se joga: treinar em contextos e circunstâncias o mais idênticos possível à realidade a que se destinam. E tudo se treina e em tudo se melhora, desde que se assuma como nossos os desafios contidos em qualquer processo de mudança comportamental. E se envolvam emocionalmente líderes e liderados com os objetivos respetivos de mudança. Veja-se Punset, E., Viagem ao poder da mente (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2010). Este autor defende que “o cérebro está preparado, embora não lhe agrade, para mudar de opinião; que construímos o futuro em torno do passado; que nem todos os sistemas irracionais da mente são válidos; que estamos programados mentalmente para sermos únicos e que nisso reside, talvez, a explicação para a capacidade infinita dos seres humanos para serem felizes”.
[3] Em termos comportamentais é complexa e difícil a defesa simultânea do interesse individual e dos objetivos comuns apontados pelo coletivo. Ao aderir ao objetivo de servir, mais do que servirmo-nos, fazemo-lo sempre sob enormes pressões emocionais e significativos estados de fadiga. Não basta, portanto, apenas saber o que fazer, é preciso vivenciar, experimentar como fazer. No treino de atitudes e comportamentos não se trata de simplesmente expressar intenções, mas sim de, através de uma prática diária onde as emoções ditam as suas leis, conseguir ir além de “fazer de conta” e praticar (treinar), aprendendo com os erros e melhorando de forma continuada.
[4] Nenhum ser humano é um ser passivo perante a realidade que o rodeia. Pelo contrário, confronta-a e aprende com ela através das diversificadas experiências que lhes vão permitindo existir num universo de continuado intercâmbio de experiências sensíveis com os outros seres. O que fundamenta de modo decisivo que pais, professores, treinadores e líderes de empresas necessitam assumir a importância do ensino e treino comportamental. Antecipando e corrigindo eventuais reações emocionais que prejudiquem o interesse coletivo e assumindo que as emoções e os sentimentos constituem algo com que convivem a cada momento das suas vidas (G. Frazetto, Como sentimos -Lisboa: Bertrand Editora, 2014) e a que devem atribuir a importância necessária. Provocam-lhes sensações agradáveis ou desagradáveis e, principalmente, “escapam” muitas vezes ao seu controlo, “conduzindo-os” a reações absolutamente inesperadas. O que implica que se justifique insistir que só “convivendo” com as suas emoções serão capazes de potenciar com a maior eficácia possível as emoções dos outros, tal como mobilizar a sua capacidade de motivação e superação e a de todos aqueles com quem se relacionam. Precisam, por isso, de adquirir hábitos entendidos como socialmente positivos, através da educação e do treino a que forem sujeitos, naturalmente condicionados pelo ambiente social em que se integram. Tendo enorme importância as oportunidades e experiências vividas, a paixão com que se entregam à busca da melhoria pretendida e, principalmente, a presença e a qualidade do apoio de quem os mobiliza no sentido de enfrentarem a mudança necessária como um desafio pessoal. Tal como conseguir dar um sentido de direção à sua vida, com a ajuda de alguém que lhes pergunte ou chame a atenção para o porquê de determinados comportamentos ou, por vezes, lhes diga pura e simplesmente como fazer e apoie através de uma Liderança e Coaching continuados.
[5] Araújo, Tudo se Treina, 29, 30, 31.

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